domingo, 3 de setembro de 2023

Artigo do desembargador Tutmés sobre AGOSTO Lilás !

Foto: Sandro Lima

Aparecida Gonçalves, ministra da pasta da Mulher, dia 29 de julho em Maceió


“Não tenho mais o tempo que passou  / Sempre em frente / Nosso

suor sagrado

é bem mais belo que esse sangue amargo e tão sério/

... então me abraça forte ...

A PROPÓSITO DO DISCURSO DA MINISTRA APARECIDA GONÇALVES


Por

Tutmés Airan é Desembargador e Coordenador das Coordenadorias da Mulher e dos Direitos Humanos do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.

Anualmente, celebramos com o “Agosto Lilás” o aniversário da Lei Maria da Penha, que este ano completa 17 anos. Aqui em Alagoas, no encerramento dessas celebrações, contamos com a presença da Ministra das Mulheres, a querida companheira Aparecida Gonçalves, cuja trajetória de vida se confunde com as mais generosas lutas das mulheres brasileiras nas últimas décadas.

Citando os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em seu provocante discurso, a ministra lembrou que, no Brasil, em 2022, os feminicídios cresceram 6,1%, resultando em 1.437 mulheres mortas simplesmente por serem mulheres.

Seguindo a sua ode veemente contra a misoginia, a Ministra Aparecida destacou o escândalo do exponencial aumento dos registros de assédio sexual e da importunação sexual, na ordem de 49,7% e 37%, respectivamente, e, por fim, completando esse quadro que nos remete ao inferno de Dante, a Ministra apresentou ainda a assustadora informação de que, em 2022, diariamente, 673 mulheres se deslocaram até uma delegacia de polícia para registrar boletim de ocorrência sobre agressões ocorridas no ambiente doméstico ou decorrentes dele.

Se é verdade que a violência de gênero deita profundas raízes na sociedade machista e patriarcal brasileira, é igualmente verdadeiro que há dois fatores primordiais e complementares: o desfinanciamento das políticas de proteção à mulher por parte da gestão de Jair Bolsonaro, que registrou a menor alocação orçamentária em uma década para as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, e o estímulo aos crimes de ódio, com a ascensão de movimentos ultraconservadores misóginos na política brasileira, os quais recrudesceram essa violência no Brasil.

Será que só essa Ministra percebe a gravidade da violência contra as mulheres em nosso país? Interpelou-nos, em um brado indignado, Aparecida Gonçalves.

Cara Ministra, a sua verve potente, nas terras de Aqualtune, não pode deixar de ecoar para além da indignação momentânea. A partir dela, inspirada na ideia lançada da marcha contra a misoginia, assumo um desafio/compromisso público, e para o qual espero a companhia de outros braços.

O desafio que proponho objetiva superar o sentimento de fadiga, de insuficiência, e por que não dizer, de fracasso, que muitas vezes nos assola, seja no Poder Judiciário, seja no Ministério Público, seja na Defensoria Pública, nas Polícias Civis e Militares e nos órgãos do Poder Executivo encarregados pelas políticas públicas para as mulheres.

É uma sensação de que o esforço cada vez maior que fazemos para proteger a vida das mulheres não tem servido nem ao menos para estagnar o recrudescimento da violência de gênero.

Os problemas estruturais da sociedade brasileira, a exemplo do patriarcado, da misoginia, do racismo, do machismo que alimentam a violência de gênero, amplificados pelo governo Bolsonaro, exigem uma resposta interinstitucional, interseccional, integrada e sustentável, superando as emergências, as respostas isoladas, tópicas e meramente reativas.

Porque a vida de cada mulher verdadeiramente importa, estou propondo, publicamente, aos Chefes dos Poderes Executivo, Judiciário, Legislativo, do Ministério Público e da Defensoria Pública a construção de um Plano Estadual Intersetorial e Interssecional de Prevenção e Enfretamento à Violência Contra as Mulheres e Meninas, em cooperação mútua com o Ministério da Mulher e da ONU Mulheres Brasil e com a necessária participação das entidades e movimentos de mulheres alagoanas.

O “Agosto Lilás” findou, todavia, as condições estruturais que permitem uma das piores expressões da banalização do mal, para usar uma expressão cara à filósofa alemã e judia, Hannah Arendt, consistente na naturalização da violência epidêmica contra as mulheres e meninas, a qual segue presente na sociedade alagoana e brasileira.

Não há tempo a perder, ao contrário do refrão da bela música da canção popular brasileira, NÃO TEMOS TODO O TEMPO DO MUNDO!"


Um magistrado/mestre de sensibilidade RARA (opinião deste rapadureiro)

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