Reportagem do jornal inglês sobre Lula pelo
Brasil retrata a viagem de Lula, que está na estrada mobilizando aqueles que se
ergueram da pobreza
Francisco Ramos (PSDB) prefeito de Ouricuri com o Presidente Lula
Vestindo suas melhores camisetas
vermelhas, carregando bandeiras e faixas, e em um estado de empolgação
barulhenta, milhares de pessoas nesta cidade agrária pobre e empoeirada se
aglomeravam na praça principal para ver Lula. Quando ele andava no palco, eles
gritavam e esticavam suas mãos.
O mandato do líder barbudo de
esquerda de voz rouca acabou sete anos atrás, ainda assim ele continua sendo o
presidente mais popular em décadas, se não o mais popular de toda história do
país.
“Você conhece um fenômeno maior que Luiz Inácio Lula da
Silva?” pergunta Flávio Balreira, 65, usando o nome completo, coisa incomum no
Brasil.
O ex-metalúrgico, líder sindical e presidente por dois mandatos
que uma vez foi descrito por Barack Obama como “o político mais popular da
Terra” tem cruzado o nordeste brasileiro, região semi-árida e empobrecida, para
falar a multidões de adoradores como esta em Ouricuri, no estado de Pernambuco.
Lula e sua equipe viajam em um comboio de ônibus, que ele chama de “caravana”.
“Eu quero agradecer ao
presidente Lula”, disse Francilene da Silva, 44, uma empregada doméstica que se
beneficiou de um programa de moradia criado durante os oito anos de governo
Lula.
“Tem muita gente que entra no
governo e não faz nada. Ele fez alguma coisa,” disse Fabiana de Lima, 36,
pequena proprietária, explicando que um programa de transferência de renda que
ajudou 36 milhões de pessoas a escapar da pobreza extrema ainda “segura” a
cidade. “Ele ajudou os pobres”.
Lula nasceu na pobreza de pés
no chão a pouco mais de 500 quilômetros dali e seu governo transformou a vida
de muitos por ali. Mas esta não é apenas uma viagem de pré-campanha antes das
eleições presidenciais do ano que vem, quando Lula espera se candidatar a um
terceiro mandato. É também uma briga por seu futuro, sua vida política e seu
legado.
“A caravana é a confirmação
de que vale a pena ser honesto com as pessoas”, ele disse em entrevista ao
jornal inglês Observer, “que vale a pena fazer o que as pessoas querem e que
vale a pena governar para os mais pobres”.
Em julho ele foi sentenciado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e
lavagem de dinheiro – e ele ainda terá de encarar mais quatro julgamentos,
todos relacionados ao que os procuradores afirmam ter sido seu papel no comando
de uma “organização criminosa” envolvendo a Petrobras, petrolífera controlada pelo Estado,
e a contratação de empresas que tiveram grande crescimento durante seus
mandatos.
Se uma corte superior
confirmar a decisão, ele não poderá se candidatar, mesmo se a condenação não
implicar em prisão.
Uma investigação de três anos, chamada Operação Lava Jato,
sobre bilhões de dólares de corrupção e propinas levou à prisão políticos do PT
de Lula e de seus antigos aliados no Congresso, intermediários e executivos
poderosos. Lula disse que não há evidência contra ele e argumenta que ele está
sendo objeto de uma guerra legal com motivações políticas – “lawfare” – para
impedi-lo de concorrer. Na sexta-feira, promotores pediram sua absolvição em um
dos casos.
A caravana foi sua resposta, de acordo com Marcus Melo, um
professor de ciência política na Universidade Federal de Pernambuco.
“Ele está aquecendo os músculos”,
disse Melo. “Mostrando força e popularidade, ele aumenta a credibilidade de uma
narrativa de politização”.
Em Ouricuri, os oradores
disseram que antes de o Partido dos Trabalhadores chegar ao poder, em 2002,
pessoas famintas em desespero saqueavam lojas quando as chuvas não vinham. Sob
Lula, 1,2 milhão de famílias receberam sistemas de armazenamento de água e não
houve saques durante a seca atual, que já dura sete anos.
“Eu quero que eles provem uma
coisa contra mim”, disse Lula à multidão, que cantava seu nome. “Eu quero tomar
conta dos mais pobres”.
Ele já está liderando pesquisas antecipadas para a eleição do
próximo ano e seu apoio cresceu mais ainda desde a condenação, enquanto
internacionalmente um coro de vozes influentes argumenta que ele está sendo
injustamente perseguido. Entre essas vozes está a do advogado de direitos humanos Geoffrey
Robertson, que levou o caso ao Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Diferentemente de alguns presos durante
a operação Lava Jato, incluindo Eduardo Cunha,
ex-presidente da Câmara, que mantinha milhões de dólares em offshores, as somas
envolvendo o caso de Lula são relativamente modestas, embora seu partido seja
acusado de ter recebido vultosas quantias.
Sua condenação veio pela acusação de que Lula teria se
beneficiado de cerca de R$ 2,5 milhões de reais em propinas relacionadas a uma
empreiteira, pagos na forma de um apartamento duplex a beira mar, reformado a
pedido de Lula. O ex-presidente disse que jamais foi dono do apartamento. “Não
existem fundos internacionais, contas bancárias escondidas, nenhum luxo e o
apartamento onde ele vive há 25 anos é extremamente modesto”, disse Robertson.
A família de Lula mudou para São Paulo quando ele tinha sete
anos de idade. Ele começou a trabalhar como vendedor nas ruas aos oito, tornou-se
metalúrgico, entrou para o sindicato e emergiu como o líder carismático que
liderou uma série de greves que enfraqueceram a ditadura militar brasileira
em seus últimos anos. Em 1980 ele fundou o Partido dos Trabalhadores e perdeu
três eleições à Presidência antes de finalmente ser eleito, em 2002.
O Brasil viveu um boom de commodities
durante seu governo, e como o consumo das famílias aumentou, metade da população
entrou numa nova classe média. Em 2010, último ano do governo Lula, a economia brasileira cresceu num ritmo
espetacular, de 7,5%.
“Os mais pobres sabem o que fizemos por eles”, ele disse. “É a
única coisa que faz sentido para um governo, tomar conta dos mais pobres”.
Naquele mesmo ano, ele conseguiu que sua sucessora, uma
ex-guerrilheira marxista chamada Dilma Rousseff,
fosse eleita. Mas o boom das commodities acabou.
Ela não tinha a habilidade expansiva – críticos dizem cínica –
para fazer acordos com os barões regionais mercenários que mantêm influência no
fracionado congresso brasileiro e depois de vencer uma disputa apertada na sua
reeleição em 2014, com os gastos públicos em alta, viu o primeiro déficit
brasileiro em mais de uma década. Com a economia encolhendo, o país perdeu seu
grau de investimento.
No governo, Lula teve o apoio dos mercados financeiros. Agora
ele é ferozmente crítico ao sucessor de Dilma, Michel Temer,
cujo programa de austeridade selvagem cortou benefícios dos brasileiros mais
pobres, e Lula diz que o Brasil deveria bancar sua saída desta recessão que
engessa o país, porque países desenvolvidos como o Reino Unido também têm
déficits públicos.
“O que faz a nação crescer é o poder de compra das pessoas na
base, não os ricos”, ele disse. “Quando você dá um empréstimo para um
empreendimento produtivo, você torna a economia mais dinâmica. E quando o PIB
começa a crescer, o débito começa a diminuir”.
Depois que o escândalo de corrupção emergiu, milhões de
manifestantes tomaram as ruas brasileiras pedindo o impeachment de Dilma e a prisão de Lula,
e comemorando quando ela foi afastada no ano passado devido às acusações de
ferir as leis orçamentárias. Ela e Lula argumentam que o processo foi um golpe, e sua credibilidade ficou comprometida
pela alta proporção de parlamentares que votaram pelo impeachment enquanto eles
próprios respondem a acusações de corrupção.
Muitos desses mesmos políticos votaram para não afastar Temer no
mês passado, quando ele foi acusado de corrupção em um caso relacionado, depois
de ter sido secretamente gravado recomendando a um poderoso empresário fazer um
acordo com um de seus auxiliares próximos, que depois foi filmado recebendo R$
500 mil em dinheiro dentro de uma maleta.
Robertson disse que Lula foi perseguido pelo juiz Sérgio Moro, que se tornou um herói por atacar
a corrupção endêmica no país, especialmente entre uma direita emergente que
ganhou volume durante os protestos pró-impeachment
mas não apareceu para se manifestar quando apareceram acusações mais sérias
contra Temer. No Brasil, o juiz efetivamente age tanto como árbitro como quanto
acusador.
“O sistema legal no Brasil remonta à
Inquisição espanhola”, disse Robertson. “A justiça não é feita e nem é vista sendo
feita”.
Aqui no nordeste, os apoiadores de Lula são firmes em afirmar
que ele é objeto de uma armação. Enquanto sua caravana passa pelas paisagens
ressequidas, entre cactos do tamanho de árvores, pessoas fluem para a rodovia,
parando os ônibus, aplaudindo, saudando e filmando em seus celulares quando
Lula sai para cumprimentá-los.
“Ele foi o melhor presidente
que nós já tivemos no Brasil”, disse Danilo Gomes, 20, desempregado, que estava
na multidão em Araripina, onde o prefeito local armou um bloqueio em uma
rotatória na estrada. “Se ele for candidato mil vezes, ele venceria mil vezes”.
Por Dom Phillips para o The Observer
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