Em defesa do mercado: A
utopia moral da extrema-direita
Por Raphael Silva Fagundes♦
Tirando
alguns naturistas e hippies, dificilmente vamos encontrar alguém que deseja
voltar no tempo quando se trata de aspectos científicos e tecnológicos. Poucos
desejam um mundo sem celulares ou computadores, sem carros velozes ou
tratamentos que rejuvenescem. Mas quando se trata de aspectos políticos e
culturais, a coisa muda.
“Acho que é a primeira vez desde os anos 1930 que há uma
ascensão espetacular da extrema-direita na Europa, em quase todos os países do
continente”[1], afirma o sociólogo marxista Michael
Löwy. Em março de 2015 saiu a notícia: “Representantes de uma dezena de
partidos europeus da extrema-direita se reuniram neste domingo na Rússia em um
fórum organizado por uma formação política vinculada ao Kremlin, onde
defenderam os ‘valores tradicionais’ familiares”.[2]Já no Brasil, ouvimos vozes que bradam o
retorno da ditadura militar.
Com o aumento dos movimentos da extrema-direita, vemos o desejo
de um retorno à condição tradicional da mulher, a uma contenção a liberdade
LGBT, à tortura do encarcerado etc.. Há uma utopia que, como qualquer outra,
quer se realizar baseada no mito do eterno retorno, no sonho de uma Idade de
Ouro pautada em sangue e ódio.
É lógico que isso tem razões históricas. Podemos dizer que o
discurso político sempre teve como referência o passado. Mesmo nas épocas em
que predominava uma grande estimação pelo progresso, os discursos políticos
sempre estiveram em sua retórica exemplos arrancados da história, embora, com o
advento da modernidade, o desejo de um retorno ao passado foi abolido. A
própria palavra “revolução” deixou de significar uma volta completa em torno do
eixo e passou a dizer mudança. Mas as referências há tempos antanho não
deixaram de existir.
A cultura, por sua vez, é mais saudosista. Mesmo com o fim do
romantismo, nenhum país deixou de cultuar seus antigos poetas e escritores.
Muitos se inspiram até hoje em Shakespeare no teatro e Camões é ainda o
escritor lusitano mais referenciado em Portugal. Quem não se lembra do filme de
Wood Allen, Meia Noite em Paris, em que o
protagonista (um escritor) deseja voltar para a Paris dos anos de 1920, e,
quando consegue, apaixona-se por uma mulher que deseja voltar à França da Belle
Epóque?
No entanto, em relação à tecnologia, poucos bradam por um
retorno a uma condição anterior. E não é porque ela é eficiente, mas porque ela
é mercadoria. Em uma sociedade de consumo, pelo menos no nível que atingimos,
deixamos de consumir coisas e passamos a consumir signos. Associamos a
“mercadoria-signo” a elementos simbólicos e imaginários. Enfim, seguindo os
ensinamentos de Jean Baudrillard, estamos mais interessados no significado da
mercadoria, em esbanjá-la, no estilo que ela nos proporciona, que na
sua funcionalidade.
Hoje o mercado desenvolveu uma gama de “estilos” de modo que ninguém
jamais irá querer voltar a uma época em que as cores eram desbotadas, onde os
carros eram todos iguais, onde a TV não tinha som, onde o estilo de vida era
muito similar dependendo da classe social que você fizesse parte. Poucos são
contrários ao tipo de diversidade que hoje o mercado propõe através da multidão
de produtos consumíveis.
Mas porque estão surgindo cada vez mais grupos que se voltam contra a
diversidade étnica, sexual, familiar, etc.? As pessoas que compram o discurso
conservador querem empregos, mas lutam por uma pedagogia da moral. Elas não
lutam contra os empresários que as mandam embora e aliciam o governo para
controlar os preços e salvar suas fortunas. Elas não relacionam a sua pobreza
com os produtos que consomem. E há um interesse capitalista nisso, porque é
necessário, mesmo em crise, continuar a vender.
Elas se voltam contra a liberdade de ir e vir do estrangeiro, ou do gay
e, em muitos casos, da mulher. Querem o fim da violência usando antigas formas
de repressão que não funcionaram e por isso foram abandonadas. Não param para
pensar que os
países que possuem o menor índice de violência são os que menos reprimem (Dinamarca,
Islândia, Áustria, etc). Inclusive, as pesquisas sobre o pacifismo no mundo
mostram que, apesar dos conflitos, o mundo em 2017 está menos violento que no
ano passado.[3] Os países mais violentos, são os países
mais pobres, com as piores distribuições de renda. Não é uma questão de moral!
No entanto, muitos países, cada um com os seus motivos (imigração,
violência, corrupção), desejam o retorno a um modelo político e moral mítico.
Os capitalistas, por sua vez, por mais liberais que sejam, não vão se queixar,
pelo contrário. A política vai lentamente se fechando em uma questão moral (a
própria ideia de corrupção se encaixa na ideia de moralidade) e se distanciando
de aspectos econômicos, a maior das engrenagens que movem a grande máquina
social.
O investimento da social democracia, após a crise de 2008, em uma
política de austeridade fez com que ela perdesse credibilidade, abrindo espaço
para o surgimento de “novos” grupos políticos que apresentam suas soluções.
Tanto a extrema-direita quanto os movimentos socialistas cresceram. Contudo,
qual desses dois é mais ameaçador para os interesses do mercado? A extrema
direita, em alguns casos, deprecia o mercado, mas, sem dúvida, este prefere ser
depreciado a aniquilado. Logo, a burguesia irá apoiar os grupos políticos que
não a ameaçam, inclusive irá, ou desdenhar o discurso radical produzido por
eles, ou apoiá-lo, enquanto que Maduro é taxado de ditador à
medida que o povo venezuelano vai às urnas votar a favor da revolução
bolivariana.
A extrema-direita tem a função de impedir o avanço do socialismo, quando
este, não se encontra apenas no discurso de alguns partidos e se torna de fato
marxista. As classes dominantes temem muito mais o comunismo que o
fascismo. Não titubearão quando tiverem que escolher entre um e outro. Por
isso, as pessoas não devem se iludir pelo discurso moral que quer esconder a
verdadeira razão da condição degradante na qual se encontram: a exploração econômica
do mais fraco.
Referências
[1]http://www.esquerda.net/artigo/michael-lowy-so-crise-economica-nao-explica-ascensao-da-extrema-direita-na-europa/37101
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2015/03/22/interna_mundo,476513/extrema-direita-europeia-se-reune-na-russia-a-convite-de-partido-pro-putin.shtml
♦ Raphael Silva
Fagundes é doutorando em História Política da UERJ.
ô-XENTE, CUIDADO, pois as palavras na
cor vermelha e
em itálico constam originariamente no
texto, mas os destaques e ênfases são deste BLOGUEIRO.
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