STF
no Cadafalso
Por Marcelo Uchôa*
Por Marcelo Uchôa*
Sócrates afirmava que
segundo o prisma ético era melhor ser acometido por uma injustiça do que
cometê-la, porque quem comete a injustiça é um criminoso, quem a sofre não é. A
assertiva, por mais conscienciosa que seja, não resolve a fundo os problemas
jurídicos, embora tenha a virtude de reconhecer que o direito é incapaz de
suplantar a falibilidade humana.
Essa suscetibilidade do ser humano, que para Kant era
uma obsessão e para Kelsen o ponto fora da curva a ser evitado por sua Teoria
Pura do Direito, não resultaria em garantia alguma de justiça, mesmo que um
imperativo categórico ou uma teoria normativa perfeita estabelecessem um padrão
cognitivo seguro de julgamento que tolhesse o erro humano. Afinal, o erro bem
pode não decorrer necessariamente de um deslize ingênuo de interpretação, ao
contrário, pode advir de má-fé explícita da parte de quem julga. No Brasil dos
anos recentes, há juízes que decidiram virar hooligans ingleses
sedentos para comemorar a vitória de seus times.
É precisamente essa a situação do processo do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vê-se estupidamente posto um caso
concreto, acerca do qual nada há mais a se fazer para demonstrar que o rito que
o levou à condenação está repleto de irregulares, desde antes da instauração do
próprio processo incriminatório. Uma vítima inocente, anos a fio demonizada
pela imprensa tradicional (fundadora das fake
news no Brasil), cuja prisão já estava decretada antes mesmo de
se tornar réu. Na esteira, fadado também estava o percurso processual meteórico
no tribunal de segunda instância, para que dali lhe fossem retiradas as bases
para uma eventual candidatura à presidência da República em 2018.
No STJ, processo vai, processo vem, até que mesmo
diante de uma bomba estourada no país demonstrando um conluio espúrio,
vexatório, promíscuo, entre judiciário e ministério público, atentatório a
qualquer regra mínima de respeito processual em um Estado que se define como de
Direito, a matéria é levada ao STF onde não há mais razões lógicas para que o
ex-presidente Lula da Silva, claramente um preso político, não seja
beneficiado, pelo menos, com os princípios mais elementares da proteção humana,
o in dubio pro reo e a presunção de inocência, afinal, não há
pena mais cruel no Brasil que a privação da liberdade, a qual não se pode
manter diante de dúvidas tão cabais sobre ilicitudes e arbitrariedades de atos
estatais, mormente quando comprovadamente combalidas as garantias do juízo
imparcial e da justa defesa.
O problema é que não é o ex-presidente Lula da Silva
que está preso, são os que o condenaram que estão nas beiradas do lixo da
história. A Corte Suprema, no alto do cadafalso em que se encontra, enquanto
titubeia em decidir sobre a medida que deve libertar o ex-presidente, reflete
sobre se degola a si ou se responsabiliza os menestréis de toda esse desandar
jurídico-político. A pergunta que resta é até quando as instituições
brasileiras de justiça se submeterão ao vexame nacional e internacional de se
atarem às rédeas da política? Essa talvez seja a grande dúvida que a nação
possui nesse dramático momento. Curioso haver sido justamente um comediante
norte-americano injustiçado, Lenny Bruce, em idos dos anos 60, que percebeu que
nos Átrios de Justiça dos Estados Unidos a justiça só existia nos átrios. Não é
de admirar que os apaixonados pelo direito estadunidense no Brasil também
estabeleçam um apartheid judicial entre os que merecem a liberdade e os que
merecem a prisão, ainda que ambas sejam definidas injustamente.
*Marcelo Uchôa é professor doutor de Direito da Universidade de
Fortaleza/UNIFOR. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
(ABJD) Núcleo Ceará.
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