A nova república dos coronéis
Um bando de privilegiados acusa milhões de pobres de serem os
responsáveis por uma suposta quebra do Estado, os corta do orçamento federal e
entrega o patrimônio do pré-sal a empresas estrangeiras
A entrega do patrimônio do pré-sal marca o desmanche do projeto de estado do bem-estar social pelos coronéis de hoje
publicado 26/11/2017
As palavras têm estranhos destinos. Por exemplo: a palavra
“capitão”, no Brasil, tem ressonâncias libertárias, revolucionárias. Sepé
Tiaraju, o corregedor da Missão de São Miguel, no noroeste gaúcho do século 18,
líder da resistência dos guaranis contra Espanha e Portugal, ficou na História
como o “Capitão Sepé”.
Luís Carlos Prestes, da imortal coluna que levou seu nome,
era capitão. Ao escolher o nome para seu romance sobre a gurizada rebelde de
Salvador, Jorge Amado batizou-o de “Capitães da Areia”.
Lamarca era capitão.
Já a palavra “coronel” ficou associada a poder
discricionário.
Coronéis eram os latifundiários do Império e da República
Velha. Que sobreviveram até o regime de 1964, que apoiaram. Coronéis eram
também os signatários do manifesto que levou seu nome, datado de 15 de
fevereiro de 1954. Enorme, o manifesto enumera uma série de problemas que vêm
assolando o Exército, como falta de verbas e ameaça da quebra da hierarquia
insuflada por ideologias nefastas. Mas já para o final, vem a pérola:
“E a elevação do salário mínimo que, nos grandes centros do
país, quase atingirá o dos vencimentos máximos de um graduado, resultará, por
certo, se não corrigida de alguma forma, em aberrante subversão de todos os
valores profissionais, destacando qualquer possibilidade de recrutamento para o
Exército de seus quadros inferiores”.
Assinaram 42 coronéis e 39 tenente-coronéis. Eram a
vanguarda do ressentimento da classe média contra a promoção do proletariado
recém-nascido na República Escravocrata do Brasil, promovida pelo governo
“populista” do segundo (ou seria terceiro, quarto, quinto?) Vargas. Sob o
palavreado altissonante das altas funções do Exército, o que medra é a amargura
de sentir “privilégios” de soldo ameaçados.
O ressentimento é um móvel político poderoso. Foi mobilizado
por Hitler na Alemanha dos anos 30, com sucesso.
E está sendo mobiliado com sucesso
hoje, pelos golpistas de 2016. Só que os coronéis hoje são outros. São os
arautos do ódio contra petistas - contra a ascensão dos pobres na escala social
e no orçamento do governo federal - na mídia conservadora e oligárquica.
São os agentes dispersos no judiciário e na polícia federal
que miram implacavelmente os petistas e levam de roldão alguns outros
colarinhos brancos que submergem no tsunami pseudo-moralista que
promovem.
A ascensão do ressentimento como padrão de comportamento
político vem trazendo à tona o que o Brasil tem de pior: racismo, misoginia,
discriminação, ódios regionais (sobretudo contra nordestinos), sexismo. Ninguém
quer olhar para “o outro lado”. A falta de diálogo é generalizada, e também
atinge gente de esquerda.
Mas seu estilo maciço se manifesta pela e à direita, sem
dúvida.
Agentes do poder judiciário, em sua tenaz perseguição -
estilo lawfare - contra Lula e demais petistas ao alcance de sua mão se colocam
como líderes e arautos deste ressentimento de classe que por vezes se
manifestou nas ruas durante protestos pedindo o impeachment da presidenta Dilma
sob a forma de reclamações sobre o custo, hoje, de uma empregada domestica… e a
obrigação de pagar-lhe… um salário mínimo, retomando o motivo profundo do
antigo Manifesto dos Coronéis, de 1954.
O desmanche do projeto de um estado do bem-estar social
(porque era ainda um projeto) promovido por Temer e quadrilha vai na mesma
direção. Um bando de privilegiados acusa milhões de pobres de serem os
responsáveis por uma suposta quebra do Estado Nacional, quebra esta que não
existe, e os corta impiedosamente de todas as maneiras imagináveis do orçamento
federal, inclusive do futuro, não só pelo congelamento dos investimentos
sociais por 20 anos, mas também pela entrega do patrimônio do pré-sal (e de
outros) e de seus benefícios a empresas estrangeiras. A desculpa invocada pelo
senador Serra para justificar esta entrega – dizendo que é preciso acelerar a
extração diante da possibilidade de substituição dos combustíveis fósseis, e de
que a Petrobras não seria capaz disto – soa como escárnio irrisório.
Assim vivemos novo episódio daquilo que se chamou a
“República Velha”, ou “dos Coronéis”.
Que acabou na Revolução de 30, é bom lembrar.
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