O ACERTO DE
FAVRETO
Fabio de Sa e Silva (*)
Há dois dias estou lendo textos e
postagens tomando como um dado que "Favreto errou"
Fiquei me perguntando: errou mesmo?
HC é a classe processual na qual o
juiz tem o maior grau de liberdade. Observando constrangimento ilegal, pode
conceder a ordem até mesmo de ofício
Favreto identificou constrangimento
ilegal na inércia da juíza da execução, que até hoje não apreciou pedido de
Lula para poder dar entrevistas e participar de debates, uma vez que é
pré-candidato à presidência da República
Portanto:
1) Nada há de
"teratológico" em sua decisão (porque não trata de prisão após
condenação de segunda instância);
2) Tampouco essa decisão contradiz
súmula do CNJ que impede a reapreciação, em plantão, de questão já decidida
(porque o constrangimento ilegal decorre exatamente de uma não-decisão);
3) É sem nenhuma procedência a
pretensão do MPF de que a única instância competente para conhecer HCs em favor
de Lula é o STJ. Em se tratando de um constrangimento ilegal provocado por
omissão da juíza de execução, inegável que a competência é do TRF4; e
4) A questão sobre a pertinência de
se conceder o HC em plantão pode ser levantada tanto contra como a favor de
Favreto. Se não havia fato rigorosamente novo - há tempos se sabe que Lula é
candidato -, Favreto não poderia ou deveria deixar a decisão do HC para o juiz
natural, que assumiria o caso na segunda-feira? Digamos que sim. Mas ao se
defrontar com uma ilegalidade (a não-decisão da juíza, não obstante a
"notória" pré-candidatura), Favreto não poderia ou deveria agir? A
resposta também deveria ser "sim".
Isso me leva ao mérito do HC, o qual
envolve questão da mais elevada relevância constitucional: em que medida pode o
Estado restringir direitos políticos de condenados criminalmente?
O texto da CF/1988 dá a resposta para
isso, determinando o seguinte:
"Art. 15 - É vedada a cassação
de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(...)
"III - condenação criminal
TRANSITADA EM JULGADO, enquanto durarem seus efeitos"
No caso de Lula, apesar de condenado,
ainda assim ele mantém seus direitos políticos (de votar e ser votado). Isso
porque a sentença (que, entre outras coisas, teria o efeito de suspender tais
direitos), AINDA NÃO TRANSITOU EM JULGADO. Portanto, se Lula é
"notoriamente" um pré-candidato à presidência da República, o Estado
deveria respeitar essa condição e se abster de qualquer ato que a prejudicasse.
ATENÇÃO, isso não é comunismo; é liberalismo do século XVIII.
Mas o sujeito pode ser candidato e
preso?
Pois é. Como sabemos, Lula só está
preso porque:
1) Em 2016, no contexto da lavajato,
o STF modificou casuisticamente sua jurisprudência em relação à possibilidade
de prisão antes do trânsito em julgado; e
2) Fachin e Carmen Lúcia manobraram
para manter tal "status quo" no julgamento do HC de Lula, quando a
composição do Tribunal, alterada em relação a 2016, já não mais confirmaria
aquele giro interpretativo.
Se o STF tivesse honrado o que está
literalmente escrito na CF/1988 - ou seja, o fato de que não se pode, como
regra, começar a cumprir pena privativa de liberdade até o trânsito em julgado
-, não teríamos esse problema. Lula poderia fazer sua campanha, mesmo
condenado, e caberia ao eleitorado decidir se ele merece ou não se tornar
novamente o presidente. Aliás, naquela votação, Juízes como Marco Aurelio e
Celso de Mello insistiram quanto ao fato de que o instituto do "trânsito
em julgado" tem várias implicações no direito, as quais não estavam sendo
adequadamente levadas em conta pelo plenário.
Mas e a ficha-limpa, não constitui um
impedimento a uma candidatura de Lula?
Em princípio sim, mas há mais de 100
candidatos condenados em 2a instância que obtiveram no TSE autorização para se
manterem candidatos. Teríamos que ver o que o TSE diria em relação à
candidatura de Lula para só então afastá-lo do pleito. Até lá, ele poderia e
pode ser candidato (isso também é liberalismo do século XVIII).
Por tudo isso, quero abrir
divergência das leituras que estão correndo, e dizer que, no quadro em que
operou, Favreto proferiu uma decisão bastante razoável. Talvez não precisasse
mandar "soltar"; poderia ter concedido um alvará "autorizando a
participação em entrevistas e debates sob o compromisso de se apresentar ao
juízo da execução 24h depois". Na prática, o resultado disso seria muito
parecido com o de uma soltura, pois não faltariam convites para entrevistas e
debates com Lula daqui até as eleições.
Mas por que até agora ninguém ousou
falar isso? Por que parece haver um consenso de que Favreto "errou"?
Há duas prováveis razões. A primeira
é a tentativa de diminuir o peso dos ERROS, aí sem aspas e em caixa alta, que
vieram depois, por parte de Moro, Gebran, e do próprio Thompson Flores. A
segunda é a intenção de criminalizar o próprio Favreto, contra quem já pesam
oito representações no CNJ. "Se errou, tem que pagar".
Uma dessas representações, a
propósito, registra que "a quebra da unidade do direito, sem a adequada
fundamentação, redunda em ativismo judicial pernicioso e arbitrário".
O texto caberia mais ao STF, que, ao
ignorar a CF/1988 para prender Lula "quebrou a unidade do direito",
que a Favreto, que, premido por muitos limites, inclusive os da condição de
ex-filiado ao PT, ousou juntar os cacos.
(*)Fabio Sa e Silva Politólogo, Professor de Direito, Professor Assistente de Estudos Internacionais e
Professor Wick Cary de Estudos Brasileiros na Universidade de Oklahoma. É
graduado em Letras/Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina. No SENAC
de São Paulo, atuou por seis anos, sendo responsável pela implantação do curso
de Libras no estado. Leciona a disciplina LIBRAS nas Faculdades São Bento e
Centro de Educação para Surdos Rio Branco.
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