Governo Lula/Dilma era a pedra no sapato norte-americano, afirma ex-presidente da Petrobras
Para ele, Brasil envolveu-se em uma disputa geopolítica e golpe ajudou a destruir um projeto nacional
No
centro de uma disputa geopolítica entre China e Estados Unidos, como diz o
ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli, o Brasil tornou-se uma
"pedra no sapato" norte-americano com sua política para o pré-sal,
privilegiando a economia nacional. "Acho que o golpe de 2016 tem tudo a
ver com a desmontagem desse sistema de acesso ao petróleo brasileiro",
afirmou Gabrielli, durante debate promovido pelo ex-ministro Carlos Gabas e
realizado no Sindicato dos Bancários de São Paulo.
Segundo
Gabrielli, o Brasil entrou no "radar" mundial em 2007, com a
descoberta do pré-sal, fazendo com que o país figurasse entre aqueles com maior
possibilidade de aumentar sua produção na década seguinte. Mas houve um
"problema", do ponto de vista estrangeiro, conforme a análise do
ex-presidente da Petrobras: uma alteração legal, em 2010, que manteve a
Petrobras no centro do processo, dando ao Estado uma parcela maior da renda do
petróleo e montando uma política de conteúdo nacional, a fim de impulsionar a
indústria naval e de equipamentos, e direcionando recursos para áreas como
saúde e educação.
Seria
isso, acrescenta Gabrielli, que determinaria a velocidade das novas áreas de
petróleo. "Em função do desenvolvimento da indústria no Brasil e não das
necessidades do mercado norte-americano. Esse modelo não adequava-se aos
interesses estratégicos de médio e longo prazo dos Estados Unidos. Do ponto de
vista lógico, o governo Lula/Dilma era uma pedra no sapato."
Outros
fatores estavam em jogo: a China, por exemplo, que passa a investir em áreas
produtoras de petróleo e é hoje o maior sócio da Petrobras no pré-sal. E há
também a Rússia – Gabrielli lembra o presidente Vladimir Putin é petroleiro de
origem –, que passa a ter política ativa em países como Síria e Irá. "As
grandes potências do mundo hoje se movem em torno do petróleo e gás." Ele
observa ainda que, no período 2007/08, o governo norte-americano reativara a
Quarta Frota no Atlântico Sul.
"Nada
do que nós temos hoje, até a produção agrícola, vive sem petróleo. Isso é o que
dá ao petróleo uma característica especial de ser um produto estratégico. É um
produto cujo acesso faz guerra, corrupção, derrubada de governo, mudança na
geopolítica. E até agora, de uso insubstituível no curto e no médio
prazo", afirma Gabrielli, acrescentando que as decisões são sempre de
longo prazo, já que o intervalo entre descoberta e produção efetiva fica em torno
de seis anos. "E existem riscos na indústria do petróleo. Você pode não
achar. A maior parte das empresas tem como objetivo ter acesso às áreas
onde pode achar. Esse movimento é não só econômico, como essencialmente
político", disse o ex-presidente da estatal brasileira.
Ele
também comentou a ocorrência de corrupção na própria Petrobras, calculada em R$
6 bilhões. "Está registrado no balanço. Como a Petrobras chegou a esse
cálculo? Aplicou 3% sobre todos os contratos assinados pelos corruptos confessos
da empresa", comentou Gabrielli, referindo-se ao período 2004-20014. Um
valor aproximado de US$ 1,5 bilhão. "É muito dinheiro, mas sabe quanto a
Petrobras fatura por ano? R$ 380 bilhões." Assim, embora seja grave e
necessite de punição, a corrupção teria, segundo o ex-presidente, correspondido
a aproximadamente 0,5% do faturamento nesse período.
"O
fato é que a corrupção foi grande. Mas, como eu disse, para a escala
do projeto, era relativamente pequeno esse comportamento. E do ponto de vista
das pessoas da Petrobras, também", afirmou Gabrielli, calculando em 10 o
número de pessoas envolvidas no alto escalão, em um total de 100. E daqueles
"caracterizadamente petistas", como ele próprio, o ex-presidente José
Eduardo Dutra, Guilherme Estrela, Ildo Sauer, Graça Foster, "nenhum está
envolvido em nenhum caso da Lava Jato".
"A
ideia de que há um antro de corrupção na Petrobras, que tem o PT como
epicentro, foi uma construção política de extrema importância para
desestruturar o governo Dilma, o nosso governo", frisou. A campanha,
inclusive na mídia, teve "papel fundamental na destruição da política, na
desconstrução de um projeto nacional". Depois de 2016, diz ele, "os
golpes de desmontagem foram rapidíssimos, estamos cada vez mais dependentes da
situação internacional".
Projetos
e resistência
Uma
situação bastante diferente de poucos anos atrás, quando a indústria naval
cresceu e o Brasil queria construir 29 sondas de perfuração. Para comparar,
Gabrielli diz que na época a frota mundial desse tipo de sondas era de 100.
"A Petrobras queria fazer 29, em cinco anos, no Brasil, construindo cinco
estaleiros. Isso criou um problema grave, porque as empresas fretadoras de
sondas foram contra. Aumentando em um terço o número de sondas, o preço ia
cair. Os estaleiros estabelecidos também eram contra."
"Além
disso, tivemos a ousadia de tentar fazer cinco novas refinarias",
acrescenta o ex-presidente da Petrobras. "Entramos fortemente na
petroquímico, no biodiesel, entramos como sócios em usina de açúcar para
produzir etanol, ampliamos a produção de fertilizantes, a capacidade de geração
de energia elétrica. Portanto, criamos um complexo com impacto gigantesco no
PIB brasileiro. Evidente que afetou muitos interesses. E, também, despertou
grandes apetites, digamos, ilegítimos entre atores que atuavam num mercado que
estava extremamente aquecido."
A
situação atual, segundo ele, "fecha claramente com os interesses
geopolíticos dos Estados Unidos, em disputa com a China e com a Rússia, mas sem
nada a ver com os interesses do nosso povo". Para Gabrielli, os fenômenos
de corrupção foram "potencializados", transformando um problema
policial em político: "Só interessa a desmontagem dos governos
progressistas e aos governos autoritários".
Com a
presença de Selma Rocha, da Fundação Perseu Abramo, e do advogado e ex-deputado
Luiz Eduardo Greenhalgh, este foi o segundo debate promovido por Gabas,
ex-ministro da Previdência e pré-candidato a deputado federal. O primeiro teve a participação da ex-presidenta Dilma Rousseff, no
dia 14 de julho, e o próximo será com o jornalista Paulo Henrique Amorim.
"A tradução do golpe é uma degradação das políticas sociais, da vida das
pessoas. A vida real está pior", disse Gabas.
Por Vitor Nuzzi - RBA
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