É de ter vergonha do Ministério Público
por Eugênio José Guilherme de Aragão*
Os vazadores e exibidores é que
deveriam estar atrás das grades!
Sem mais, nem menos, eis que o programa
“Fantástico” da Rede Globo exibe imagens de Sérgio Cabral e Garotinho,
ex-governadores do Rio de Janeiro, na prisão em que se encontram. Presos estão,
sem culpa formada, porque seriam, ao ver de juízes deformados pela tal “opinião
pública”, tão perigosos quanto Hannibal Lecter, o assassino serial engaiolado
no filme “O silêncio dos inocentes”.
As imagens dos políticos preventivamente
presos teriam sido obtidas com apoio imprescindível de membros do Ministério
Público do Rio de Janeiro, aquela mesma instituição que convidou Kim Kataguiri
para palestrar sobre “bandidolatria”. Desviaram-se criminosamente de sua função
de fiscalizadores da execução penal para exporem a intimidade de pessoas presas
preventivamente.
Há algo de muito doentio com nossas
instituições persecutórias, aí incluído o judiciário com competência penal,
porque há muito deixou de ser isento para comungar, com o ministério público e
a polícia, a cosmovisão falso-moralista e punitivista. Hoje, quem cai nas
garras dessa troika, que não espere justiça. Não espere
imparcialidade. Saiba que corre o risco de ser exposto, junto com sua família,
à execração pública, conduzido de baraço e pregão diante das câmeras de
televisão. Pouco interessa se o caso contra si é frágil ou forte; a gravidade
da acusação que pesa é medida pela audiência que possa ser atraída, composta de
um público cúpido em se deleitar com a desgraça alheia. Se o suspeito exposto é
uma personalidade pública, a audiência vai ao delírio, para regozijo da mídia
e, sobretudo, dos meganhas travestidos de juízes, promotores e investigadores.
A Schadenfreude virou
sentimento legítimo. Nunca, depois do iluminismo, se festejou tanto, nestas
terras, o suplício exposto de alvejados pelo sistema persecutório, quanto nos
dias atuais, em tempos de Lava-Jato. Falta só amarrá-los na roda e
esquartejá-los em praça pública. E a massa celerada ovaciona o ministério
público que lhe proporciona tamanho show. Pouco lhe interessa que o
próximo a cair nas malhas dessa instituição sem freio e sem critério pode ser
cada um daqueles que ali estão em espasmódico orgasmo de ira descontrolada.
Porque, para virar alvo de promotores ou procuradores falso-moralistas e
redentoristas, basta estar no lugar errado, na hora errada.
E, em tempos de Lava-Jato, os Dallagnóis
da vida assumem abertamente que “sem exposição” não seria possível
responsabilizar os alvos de sua sacrossanta operação. Na falta de provas, de argumento
técnico, o delírio das massas legitima a repressão. Por isso anunciam, para sua
audiência de sádicos psicopatas, que 2018 será o ano da “batalha final” da
Lava-Jato, um clímax imperdível, a coincidir com as eleições gerais e, claro,
com prometido potencial de influenciá-la em proveito de quem, por juizecos e
promotorecos, são tidos como merecedores da confiança popular.
Não escondem que o teatro sórdido
montado contra personagens de visibilidade tem finalidade política. Depois de
terem virado heróis nacionais por força de midiática atuação à margem da
Constituição e das leis processuais, querem se assenhorar do Estado como um
todo, avalizando, ou não, quem se candidate a cargo eletivo. Cria-se, assim,
o index personarum prohibitorum do ministério público.
Resta-nos prantear essa instituição, que
traiu sua mui promissora missão constitucional de promotora dos valores
democráticos e dos direitos fundamentais, para se tornar um cínico verdugo a
buscar aplauso de uma gentalha embrutecida, sem escrúpulos. Tudo em nome de um
primitivo conceito de moralidade que não se sustenta diante dos abusos
cometidos, da ambição desmedida e da ganância por desproporcionais vantagens
pela função mal e conspiratoriamente exercida.
Triste fim do ministério público a que pertenci
em atividade com tanta honra. Vulgarizou-se. Amesquinhou-se. Tornou-se
um trambolho, um estorvo para as forças democráticas deste país. Gordo e
autossuficiente, deleita-se no seu bem-estar, sem preocupação com milhares de
brasileiras e de brasileiros impactados pela baderna política e econômica que
causaram; brasileiras e brasileiros que não moram no Lago Sul de Brasília, não
moram em Ipanema ou no Leblon do Rio de Janeiro e nem nos Jardins de São Paulo.
Não têm recursos para planos de saúde eficientes que nem o Plan-Assiste do
Ministério Público da União e nem para colocar filhos em escola privada. Será
que os promotorezinhos e os procuradorezinhos pensam que essa população se
alimenta de blá-blá-blá moralista? Acabaram os empregos, acabaram-se os direitos
— “MAS temos o combate à corrupção!” É esse discurso que vai encher a barriga
dos que foram esmagados pelo golpe do “mercado” e de seus interesseiros
lacaios? Não acredito...
Um ministério público que precisa de
aplauso para trabalhar descarrilhou. A repressão penal, lembra Foucault, por
tangenciar perigosamente os fundamentos do Estado democrático de Direito e toda
nossa autocompreensão civilizatória, precisa ser levada a efeito, em nossos
dias, com discrição e até certa vergonha. Porque se houve grave lesão a bem
jurídico fundamental, foi todo o sistema de prevenção que falhou. Falhou a
educação, falhou a vigilância, falharam os legisladores e falhou a própria
justiça que não soube cumprir seu papel de exemplo.
Claro que é muito mais fácil apontar para
um culpado e extirpá-lo para deleite de um público que se diz ofendido, do que
perquirir as causas do comportamento desviante e propor medidas concretas para
seu enfrentamento, que não seja mais repressão midiática. Mas, preguiçoso
trabalha dobrado. A sociedade que se contenta com o atalho da persecução penal
e festeja seus verdugos não superará seus vícios, mas afundará na barbaridade e
na ignorância e, por isso, será o terreno fértil para aproveitadores
inescrupulosos. A corrupção não diminuirá, apenas se organizará para driblar os
falso-moralistas. E um dia inexoravelmente cairá a máscara desse ministério
público que nada fez a não ser barulho e tanto nos envergonha. Trabalharemos
dobrado para nos desvencilharmos desse trambolho e enfrentarmos
seriamente a tal corrupção.
*
Eugênio
José Guilherme de Aragão