Como mentiras sobre a morte de Marisa buscam evitar
empatia com Lula
Leonardo Sakamoto*
''O objetivo, neste momento, é não deixar gerar
compaixão com Lula.''
A avaliação veio de um profissional
que trabalha com construção e desconstrução de reputação via redes
sociais. Em condição de anonimato, ele me explicou que é esse o objetivo de
boatos que estão circulando na rede por conta da morte de Marisa Letícia,
esposa do ex-presidente.
Um dos boatos afirma que o velório
seria realizado de caixão fechado porque tudo isso era uma encenação para forjar sua morte
e possibilitar a fuga para o exterior a fim de escapar de ser julgada
e presa como consequência da Operação Lava Jato. Outras mensagens exigiam que
as Forças Armadas obrigassem a realização de teste de DNA no corpo.
Não importa a foto abaixo. Não
importa que políticos ligados a Lula ou adversários políticos
fizeram visitas no hospital antes de ser declarado o óbito. Não
importa que o Sírio-Libanês seja uma instituição com uma reputação a zelar (chegando a demitir uma de
suas médicas por vazar informações confidenciais sobre a entrada de Marisa no
hospital) e não toparia essa encenação. Não importa a
multidão que compareceu ao velório realizado em caixão aberto em São Bernardo
do Campo. Não importa os jornalistas que estavam lá para cobrir e noticiar e a
profusão de fotos e de vídeos circulando.
Se a loucura faz sentido para um
grupo de pessoas que odeia os dois, emoções é que passam a construir a
realidade e fatos tornam-se irrelevantes. É a velha burrice fundamental
consagrada sob o nome pomposo da pós-verdade.

Foto: Ricardo Stuckert
Outra mensagem, violenta, que está
circulando diz que tudo é uma ''falácia para comover a população'' porque
ela não poderia doar órgãos uma vez que
teria atingido a idade limite de 70 anos. Contudo, não
existe limite de idade para doação (com exceção da córnea, outros órgãos contam
com idades-limite de referência, mas o que determina se um órgão é viável
para transplante não é a idade, mas o estado de saúde do doador) e
ela tinha 66. Obtive a confirmação de que rins, córneas e fígado haviam
sido retirados para doação.
Claro que a morte de Marisa Letícia
gera comoção junto a uma parcela da população que respeita Lula. E a situação
tende a criar empatia devido o sofrimento de Lula, que é real, e
pode criar, inclusive, desconforto a protagonistas da Lava Jato – uma
vez que o próprio ex-presidente afirmou que sua esposa morreu triste
por ter sido acusada de algo que não
cometeu.
Ao longo dos últimos anos, entrevistei profissionais contratados
por políticos para construir ou desconstruir candidaturas através de ação
coordenada em redes sociais. E, ao contrário do que acredita o senso
comum, não são robôs usados para xingar tresloucadamente que causam os maiores
impactos, mas ''fazendas'' de perfis falsos
que parecem reais e são administradas por anos, agindo de acordo com pesquisas
comportamentais.
Daí, a avaliação do profissional com
quem falei. Essas mensagens, nascidas de malucos que atuam como atiradores
solitários ou produzidas por grupos especializados, estariam sendo bombadas
artificialmente para impedir a formação dessa
empatia.
E, com isso, evitar que o longo
trabalho de desumanização feito contra Lula e o PT – que, independentemente de
seus defeitos ou crimes, é maior do que o tamanho do ódio gerado contra eles –
seja perdido.
Isso sem contar os sites que
produzem boatos e fofocas absurdos não por motivos políticos, mas sim para,
através de cliques em anúncios, ganhar dinheiro.
Nas eleições presidenciais norte-americanas do ano passado, uma cidade da
Macedônia ficou famosa por produzir sites com notícias mentirosas pró-Trump a
fim de ganhar com visitas de internautas dos Estados Unidos.
Lula é um animal político, tal como
Fernando Henrique. Ambos fazem política até dormindo, então é natural que na
morte de ambas as esposas, eles alternassem choro e política, no ombro de
aliados ou adversários. O que não é natural é
imaginar que o mundo é um grande duelo do bem contra o mal.
O ideal seria que a população não
confiasse nas mensagens de WhatsApp que não pode checar a veracidade para
a formação de sua opinião, como tenho dito, há anos, neste blog. Mas como
alfabetização midiática e informacional é algo raro, que não será realizado em
massa no curto prazo, os veículos de comunicação tradicionais de massa têm um
papel importante a cumprir, que é o de explicitar esse tipo de boato e, na
medida do possível, a quem ele interessa. Sites que desmascaram informações falsas
são importantes, mas atuam em uma escala muito pequena para esse tipo de
acontecimento.
Isso deveria ocorrer,
independentemente do resultado do boato ser oportuno a quem controla o veículo
ou não. Sei que isso pode parecer utopia. Mas, agora, é com a família
Silva. Amanhã, poderá ser com qualquer outra
família.
E, acreditem: a imprensa tradicional
(que já está em fase de transformação por conta das mudanças na forma de
financiamento do jornalismo na era digital) pode se tornar irrelevante diante
da força das fábricas de ''verdades alternativas'' que temos por aí. Que não têm compromisso com nada,
nem ninguém.
Observação: Texto alterado
para inclusão da informação sobre a doação do fígado.
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.
ô-XENTE, CUIDADO, pois
as palavras na cor vermelha constam
originariamente no texto, mas os destaques e ênfases são deste BLOGUEIRO.
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