A vida dá, nega e tira:
valeu a pena enfrentar a República de Curitiba.
por
“Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?”
Fernando Pessoa
Como se fosse uma
noite escura, dessas que tiram a luz e sufocam as esperanças e parecem não
terminar nunca, a Operação Lava Jato veio para fazer política. Escolheu os
alvos preferidos e protegeu outros, destruiu parte da indústria brasileira e
elegeu o fascista Bolsonaro para a presidência da República. Instrumentalizou o
Poder Judiciário e o Ministério Público e corrompeu o sistema de Justiça.
Ontem, a Operação
fez 10 anos. Durante esse longo tempo, a chamada República de Curitiba conheceu
a glória, incensada pela grande mídia e ruiu, vergonhosamente, com a exposição
pública da sua podridão. Como o grupo que coordenava a farsa – Moro e seus
procuradores amestrados – era composto de indigentes intelectuais, com
pouquíssimo conhecimento jurídico e literário, precisava ter uma grande
estrutura de marketing. Assim, passaram a acreditar que eram
realmente super heróis. Nunca leram Brecht, que nos ensina que “miserável país
que precisa de heróis”.
Ainda há muito o
que ser desvendado e enfrentado. Os responsáveis pela Operação, que foi
praticamente anulada pela Suprema Corte, têm que ser responsabilizados civil e
criminalmente. A desmoralização já é importante, mas é necessário ir além.
Abrir os porões da 13ª Vara de Curitiba vai fazer bem para a Democracia. O relatório
que está prestes a ser publicado pelo CNJ vai jogar um pouco de luz nas
falcatruas e nos crimes cometidos. Alimentar a corrupção sob o manto de
combatê-la é um acinte à Democracia e ao processo penal democrático.
Para mim, foram
10 anos de enfrentamento. Centenas de artigos, palestras, debates e
entrevistas. Desde setembro de 2014, saí pelo Brasil para denunciar os excessos
e os abusos, mesmo sem conhecer o tamanho exato do golpe e a dimensão da estrutura
criminosa. Combati o bom combate com grandes prejuízos pessoais e financeiros.
Perdi dezenas de clientes, inclusive para pseudoadvogados que serviam de linha
auxiliar do juiz e do Ministério Público. Mas como valeu a pena!
Para dar um só
exemplo, recebi, nesta semana, um áudio de um ex-senador que foi preso pela
Lava Jato e teve agora seu processo anulado. Ele, ao me agradecer, ressaltou o
quanto era importante, para quem estava encarcerado no Paraná, ouvir minhas
entrevistas e ler meus artigos fazendo o enfrentamento daquele bando da
República de Curitiba. Ele me disse que se reuniam na prisão e que minha voz
dava ânimo e esperança a eles. Confesso que me emocionei e tive, mais uma vez,
a certeza de que valeu a pena toda a exposição e todo o combate. Nesse mundo
tão desigual e injusto, é raro a justiça prevalecer.
Remeto-me a Paul
Éluard, nos últimos versos do seu imortal soneto “Liberté”, em homenagem aos
que foram presos injustamente:
“Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes de meu tédio
Escrevo teu nome
Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome
Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome
E ao poder de uma palavra
Recomeço a minha vida
Nasci para te conhecer
E te chamar
LIBERDADE”
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