Moro
está preso numa bolha das redes sociais
Por Josias de Souza
a coisa está ficando preta pro juizeco
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a coisa está ficando preta pro juizeco
Em dezembro, dias antes de se alistar na tropa ministerial de
Jair Bolsonaro, Sergio Moro declarou: "Eu não assumiria um papel de
ministro da Justiça com o risco de comprometer a minha biografia, o meu
histórico." Jactava-se de ter recebido do presidente uma "carta
branca". De duas, uma: ou Moro é daltônico ou fez uma opção preferencial
pela antoenganação. A carta que recebeu do capitão nada tem de branca.
Ao desnomear a especialista em segurança pública Ilona Szabó um
dia depois de tê-la acomodado numa suplência do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, Moro ficou em situação muito parecida com a de uma
personagem de ficção criada pelo escritor gaúcho Josué Guimarães - uma mulher
que diminuía diariamente de tamanho.
Consternados, os familiares da mulher da literatura
esforçavam-se para que ela não percebesse o próprio encolhimento. Rebaixavam os
móveis, serravam os pés de mesas e cadeiras. Inclementes, Bolsonaro e seu clã
fazem o oposto. Rebaixam Moro à vista de todo mundo sem adaptar a mobília.
Ilona Szabó foi dispensada porque sua nomeação foi mal recebida
na bolha habitada pelos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais. Pressionado
pelo próprio presidente, o portador da carta hipoteticamente branca retraiu-se.
A nota que redigiu para anunciar o inacreditável, descerá à crônica do poder
brasiliense como uma peça do realismo fantástico. Ficou entendido que Ilona
Szabó foi privada de atuar como conselheira do Estado por excesso de qualificação.
Moro escreveu que a escolha de Ilona "foi motivada pelos
relevantes conhecimentos da nomeada na área de segurança pública e igualmente
pela notoriedade e qualidade dos serviços prestados pelo Instituto
Igarapé", que ela dirige. E tentou explicar-se, sem sucesso: "Diante
da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o
que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente
apresenta escusas."
Ouvida, Ilona Szabó contou: "O ministro me pediu desculpas.
Disse que ele lamentava, mas estava sendo pressionado, porque o presidente
Bolsonaro não sustentava a escolha na base dele." A desnomeação, por
inusitada, produziu uma segunda baixa no Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária. Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, exonerou-se em solidariedade.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o 'Zero Três' da
prole presidencial, apressou-se em acentuar o apequenamento de Moro. Fez isso
ao se incorporar ao pelotão de fuzilamento das redes. O filho do presidente
puxou o gatilho no Twitter: "Após exoneração de Ilana Szabó outro que era
contra o projeto anticrime de Moro pede para sair. O desarmamentista Renato
Sérgio de Lima, do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social,
dispensou-se em solidariedade a Szabó. #grandedia."
Eduardo foi ecoado no Twitter pelo "Zero Um", o
senador Flávio 'Coaf' Bolsonaro: "Meu ponto de vista é: como essa Ilana
Szabó aceita fazer parte do governo Bolsonaro? É muita cara de pau, junto com
uma vontade louca de sabotar, só pode." O que o primogênito do presidente
declarou, com outras palavras, foi algo assim: "Como pode o Sergio Moro
convidar uma sabotadora para integrar um conselho de sua pasta?"
Moro talvez não tenha percebido. Mas sua transição do papel de
superministro para o de minimistro está fazendo dele uma espécie de anti-Moro.
Dias atrás, enviou ao Congresso o seu pacote anticrime. Ao contrário do que
trombeteara, a criminalização do caixa dois não constou do embrulho principal.
Escorregou para um projeto separado, mais fácil de ser esquecido.
O mini-Moro atribuiu o fatiamento a "reclamações
razoáveis" dos congressistas. Alegou-se que o caixa dois é crime menos
grave do que a corrupção. E o ministro, desdizendo o juiz que um dia foi,
concordou. Ou, por outra, rendeu-se. Consumada a capitulação, o pacote de Moro
foi escondido no quartinho dedicado às tralhas. Considerou-se que, por ora, as
prioridades do sub-ministro não são senão estorvos no caminho da reforma da
Previdência.
Retorne-se, por oportuno, à frase do primeiro parágrafo:
"Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com o risco de
comprometer a minha biografia, o meu histórico." No momento, o ex-juiz
cumpre pena de prisão dentro da bolha que idolatra Bolsonaro nas redes sociais.
Sua biografia virou um asterisco espremido entre as desculpas de um filho
pilhado pelo Coaf, o senador Flávio Bolsonaro, e a cara de desentendido do pai.
Seu histórico ornamenta negociações com prontuários que merecem interrogatório,
não diálogo.
Mantido o ritmo atual de encolhimento, o ex-juiz da Lava Jato logo
estará dormindo numa caixa de fósforos, atormentado pela doença que transforma
os Bolsonaro em gigantes. O barulhinho que se ouve ao fundo é o ruído da
plateia perguntando aos seus botões: "Afinal, a que temperatura ferve a
biografia de Sergio Moro?"
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