Por Paulo Moreira Leite, colunista do SAITE 247
Não vamos nos enganar nem minimizar a
injustiça tremenda enfrentada por Lula desde que, onze meses atrás, foi preso
em Curitiba. Embora tenha ficado fora da cela durante a maior parte deste dia
de sábado, antes, durante e depois do velório do neto Arthur, nem por um único
segundo ele teve direito a um minuto da liberdade, esse universo de garantias e
gestos que definem a forma mais evoluída da existência humana.
Livres estavam os homens e mulheres
que foram ao cemitério Jardim da Colina e puderam partilhar sua atenção,
comprovar seu sofrimento, chorar com sua dor. E mesmo aqueles que o
vigiavam.
Monitorado e ameaçado sem qualquer
necessidade real, como ficou explícito na cena final em que foi advertido pelo
chefe da escolta, dando uma resposta educada a altura, Lula foi a São Bernardo
e retornou à Curitiba sem perder a condição de prisioneiro da Lava
Jato.
Assim irá permanecer até que o Brasil
seja capaz de lhe fazer Justiça, recuperar o Estado Democrático de Direito e
tirar da cadeia o maior líder político da resistência a esses tempos sombrios,
ameaçadores como nunca tivemos. Tanto pelo aparato policial que mobilizou, como
pela atenção dispensada pela TV a cada passo e cada gesto fora da cadeia, Lula
demonstrou que segue personagem-chave situação política brasileira.
Especialista em levantamentos na internet, o sociólogo Renato Dolci mostrou que
nesse período o assunto "Lula" tornou-se campeão absoluto nas redes,
superando inclusive os blocos de carnaval.
Os momentos que Lula passou fora da
prisão produziram um encantamento único, que o país não irá esquecer tão
depressa. As imagens de ontem em São Bernardo mostraram que apesar da
semelhança enganosa, onze meses após ter sido preso, numa cena que, a exemplo
daquela noite horrível de abril de 2018, ouvia-se o ruído de hélices de
helicóptero e o ronco de vans da Polícia Federal, o país passou e ainda pode
passar por mudanças tenebrosas.
Menos livre, mais pobre, piorou
muito. Perdeu a razão e a esperança, o que explica a audiência aos discursos de
ódio. Embora tenham mudado de lugar, os papéis de cada um seguem os
mesmos -- essencialmente.
No segundo semestre de 2017, quando
percorreu o Nordeste na primeira etapa da caravana de uma campanha que
prometia ser vitoriosa não fosse a cumplicidade criminosa entre os novos salões
da Paulista com os velhos porões do DOI CODI, Lula lembrou a maior de suas
virtudes, aquela que lhe permitiu tornar-se quem é: "eu sei cuidar do povo
humilde desse país". Disse isso no início da caravana, no interior da
Paraíba. Repetiu no Piauí e também em São Luiz, no ponto final.
Agiu assim em 2 de março de 2018,
ainda que o Brasil tenha mudado tanto, desde a prisão e a eleição presidencial,
que nem todos pudessem ser classificados como "povo humilde desse
país".
Distribuiu atenção tanto ao ministro
do Supremo Gilmar Mendes, que não descansou até conseguir lhe transmitir uma
mensagem de solidariedade, como aos cidadãos comuns que se apertavam do lado de
fora das grades.
No velório, fez a mesma coisa, mais
demoradamente, tão ou mais emocionado. Foram conversas em voz baixa em pequenos
grupos, que reuniam familiares, ou velhos amigos do PT e da luta política de
meio século que mudou o Brasil.
"Quem imaginou que fosse
consolar o Lula por tanto sofrimento acumulado, logo percebeu que ele é que
iria cuidar do nós", resumiu um dos presentes, num evento que reunia
familiares devastados pela tragédia de uma criança de 7 anos de idade -- ao
lado de senadores, antigos ministros de Estado, Dilma Rousseff e Fernando
Haddad. "Ele confortou e orientou", diziam na saída.
Num país desgovernado e sem rumo, no
qual um povo cada vez mais triste e solitário assiste aos movimentos da
covardia empoderada que sonham com guerras de conquista e movimentos de
submissão, descritas cientificamente por Chico Buarque ( "falar grosso com
a Bolívia e falar fino com Washington"), Lula mostrou que segue a maior
esperança de reconstrução de um país ameaçado. Sua ausência de todas as horas,
de todos os dias, faz uma imensa falta ao país.
Alguma
dúvida?









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