DINHEIRO, PODER E “FÉ”
Por Luciano Teles *
Essa semana diversos veículos de imprensa
divulgaram que o líder evangélico da Igreja Internacional da Graça de Deus,
pastor R.R. Soares, internou-se no Hospital Copa Star, no Rio de Janeiro, por
conta de ter sido acometido pelo Covid-19. Pouco antes de ser internado, numa
das suas reuniões com os seus fiéis, ele apresentou uma “água sagrada” com
poder de cura, inclusive de curar os infectados por Covid-19. Não sabemos se
ele tomou ou tomará desta “água sagrada”, o que podemos dizer é que ele não
comprou o “feijão divino” do pastor Valdomiro Santiago, da Igreja Mundial do
Poder de Deus, vendido a um preço pequenino, apenas R$ 1.000 reais. Segundo
Valdomiro Santiago, o feijão, depois de ingerido, mataria o vírus.
Pelo visto o pastor Valdomiro não consegue
convencer nem os seus pares, talvez por isso que ele tenha acumulado dívidas de
aluguéis dos templos onde funcionam (ou funcionavam) a sua Igreja. Os
proprietários dos imóveis estão cobrando-o na justiça. Pastor Valdomiro,
sugerimos que frequente a reunião dos empresários da Igreja Universal do Reino
de Deus, ela corre todas as segundas e lá é possível fazer votos pela
prosperidade.
E por falar em Igreja Universal do Reino de
Deus, o bispo Edir Macedo também pegou Covid-19. Na ocasião, não optou pelo
“óleo ungido”, ou “água sagrada”, ou ainda pelo “feijão divino”. Ele foi para o
Hospital Moriah, em São Paulo, no qual recebeu as orientações médicas
necessárias para enfrentar o vírus.
Depois dessa “tempestade” infernal, tratou de
questionar a vacina. Fez um vídeo, que teve ampla circulação, colocando a
vacina em dúvida. Mas ele não teve dúvidas, pouco tempo depois, em se deslocar
para os E.U.A. e, junto com a sua esposa, vacinar-se por lá.
Aliás, parte do empresariado brasileiro questionou a vacina e
foi direto pedir ao “Tio Sam” para se vacinar. Romperam qualquer disciplina e
hierarquia sociais (grupos prioritários no Brasil? Que nada, vou é para fora
pegar a minha dose!). Aprenderam certamente com Eduardo Pazuello, que tornou
explícito o pensamento e o despreparo de parcela significativa do generalato
brasileiro. E, em geral, junto com isso vem um processo de desmoralização, o
que já estamos assistindo.
Porém, sabe qual é a diferença deles, em
especial dos líderes evangélicos (deixamos de lado o Silas Malafaia, porque
este é muito raivoso, certamente que esse temperamento dele é “divino”), para
todos nós? É que eles (parcela da elite, pastores evangélicos aqui citados e
militares – estes últimos reservaram hospitais militares inteiros para si, além
do que alguns generais, como Eduardo Ramos, vacinou-se escondido, imaginem!)
podem pagar hospitais particulares (Moriah, Copa Star...) ou pegar um avião e
se deslocar até os E.U.A. para tomar vacinas, e a população brasileira não!
E depois ainda vão dizer para vocês, fiéis, que o seu parente
perdeu a batalha para o vírus porque não teve fé. E não pelo fato do colapso do
sistema de saúde, ou seja, da ausência de leitos de UTI, oxigênio, ou seja lá o
quê. Ainda vão chamá-los de “homens de pouca fé”.
Engraçado, para quem não optou pelo “óleo”, pela “água” e pelo
“feijão” e procurou um hospital para se internar e enfrentar o Covid-19... Quem
são os homens de pouca fé?
Talvez o que esteja mesmo em jogo é dinheiro, poder e “fé”.
*Luciano Teles
Professor adjunto de História do Brasil e da Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e autor de artigos e livros sobre a história da imprensa operária e do movimento de trabalhadores no Amazonas.
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