O primeiro ato da Resistência
Por José Reinaldo
Carvalho (*)

Foi justa a decisão do PT, acompanhada pelo PSOL e o PCdoB, de não
comparecer à cerimônia de investidura do governo da extrema direita.
É o primeiro ato de uma Resistência que nas novas circunstâncias se
afigura prolongada, complexa e sinuosa.
A situação política criada com a eleição do governo de extrema direita é
por si só anormal, agravada pelo fato de ser um governo resultante da fraude e
do engodo.
Sua posse não será uma cerimônia, uma festa, um protocolo, uma
juramentação constitucional, mas o ato oficial de inauguração de uma nova época
política. Ilusão pensar que em Primeiro de Janeiro procede-se a uma mera
alternância de governo.
O regime de extrema direita é a imagem e semelhança das classes
dominantes reacionárias e de potências imperialistas vorazes. Sua essência é
antidemocrática, antipopular, antissocial, antinacional. Um regime de exceção,
baseado na perseguição judicial e incriminação dos partidos progressistas, da
luta social, que encontra sua maior expressão no encarceramento do maior líder
popular da história nacional, por quem os politiqueiros de direita,
procuradores, juízes e generais que agora assumem o posto de comando político
nutrem medo pânico. Um regime que à partida se revela facinoroso, pela
vocalização do titular e de seus principais porta-vozes, que incluem o
extermínio da esquerda na estratégia de liquidação da democracia, aniquilação
dos direitos sociais e vilipêndio da soberania nacional.
Um regime que enverga a fantasia da teocracia neopentecostal, de
catolicismo anacrônico, com apego a valores vigentes em tempos idos. Por serem
anacrônicos não se podem impor a não ser pela disseminação do ódio, a cizânia,
ameaça, força, violência e morte.
Um regime que subordina o Brasil ao imperialismo estadunidense, isola a
nação dos amigos que conquistou pelo mundo e situa-se na contramão das
tendências contemporâneas.
Um regime de entrega das riquezas nacionais, do arrocho para o povo e
desbragada cedência ao capital monopolista-financeiro nacional e internacional.
Assim, soam patéticas as críticas em setores da própria esquerda à
decisão de não comparecer à posse. Baseiam-se num institucionalismo de
fancaria, num democratismo de fachada, numa exaltação abstrata ao Estado, num
culto ao social-liberalismo, em apelos inócuos ao diálogo, em considerações
descontextualizadas sobre a nova correlação de forças, no reconhecimento
passivo da derrota eleitoral. Só falta a congratulação efusiva e o beija-mão ao
vencedor.
Antes de investir contra a unidade do campo democrático-popular
oposicionista, pergunte-se primeiro quem rompeu a institucionalidade
democrática, violou a Constituição, vilipendiou o Estado democrático de
direito.
Sobre a correlação de forças e as táticas correspondentes, tempo haverá
para debater e compreender a fundo as causas da derrota estratégica, tarefa que
incumbe às forças da esquerda política e social, bom tema para as direções
partidárias e a Frente Brasil Popular. Mas o ponto de partida do debate não
pode ser a capitulação nem muito menos a adesão ao regime.
Este não conseguirá no médio e longo prazos sustentar sua “popularidade”
apenas com denuncismo aos inimigos e demagogia.
A usina de mentiras e tergiversações tende a se esboroar na medida em
que o exercício do poder acarretar desgastes. Inevitavelmente, a
contrarrevolução política e o retrocesso econômico e social engendrarão
conflitos, e mesmo contradições internas, que por sua vez apresentarão novos desafios.
É uma questão de tempo histórico. A esquerda consequente não se deve deixar
levar pelo imediatismo nem a impaciência.
Popularidade de um momento pós-eleitoral, comparecimento em massa a uma
cerimônia na Esplanada não significam necessariamente a expressão da vontade do
povo. Seus interesses fundamentais, como as aspirações profundas dos
trabalhadores e o sentimento patriótico emanam de outras determinações.
Revelam-se quando menos se espera, percorrendo acidentados caminhos, sorteando
ínvias encruzilhadas.
As forças que compõem a esquerda hoje são legatárias de um patrimônio
histórico formado em longo percurso de vitórias e derrotas, fluxos e refluxos
das lutas sociais. É o que lhes imprime caráter, identidade, responsabilidade,
experiência e visão estratégica. Não é raro que a elas se incorporem
marinheiros de primeira viagem, pretensos profissionais que deploravelmente
mareiam ante a primeira procela. É que a luta política e social não cabe num
protótipo de congressos estudantis nem nas coxias da vida parlamentar e
governativa. Obedece a outras determinações que olhos pragmáticos não conseguem
enxergar.
A decisão de não ir à posse foi, sim, madura e carregada de conteúdo. É
o primeiro ato de uma longa Resistência. Sinaliza para a formulação de uma estratégia
e tática de combate, em cuja execução serão indispensáveis partidos de combate,
frentes de combate, blocos de combate, bancadas parlamentares de combate e
movimentos sociais de combate, como premissas para reconquistar a democracia e
fazer valer os direitos do povo.
Se há alguém pretendendo costear e saltar o alambrado que o faça. A
esquerda, não!
(*)
José Reinaldo
Carvalho Jornalista,
editor do Saite Resistência, pós graduado em Política
e Relações Internacionais, diretor do CEBRAPAZ – Centro Brasileiro de
Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz. Integra o projeto “Jornalistas pela
Democracia” e membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB.
