EDUARDO LEITE CORTOU OU ALTEROU QUASE 500 PONTOS DO CÓDIGO AMBIENTAL DO
RIO GRANDE DO SUL EM 2019
Governa-DOR, tá RINDO de quê ?
Quando a
natureza reage com inundações, vale lembrar a mutilação de uma das mais antigas
leis ambientais do Brasil
por
Ayrton Centeno, em 04/05/2024, no Brasil de Fato
A ideia
atrás da mudança foi a de flexibilizar as exigências, favorecer os empresários,
concedendo-lhes, em alguns casos, o próprio auto licenciamento - Ibama/ Flickr
O Código
Ambiental do Rio Grande do Sul, que levou nove anos entre debates, audiências e
aperfeiçoamentos, foi atropelado pelo governo Eduardo Leite (PSDB) em 2019,
primeiro ano de seu primeiro mandato. Seu projeto limou ou alterou 480 pontos
da lei ambiental do estado.
Novo
código ambiental do RS representa retrocesso de 40 anos, acusa Agapan
O texto
original, de 2000, inclusive tivera a ajuda na elaboração de José Lutzenberger,
uma das maiores referências em ecologia no Brasil. A ideia atrás da mudança foi
a de flexibilizar as exigências e favorecer os empresários, concedendo-lhes, em
alguns casos, o próprio auto licenciamento.
Entre a
apresentação do projeto de Leite em setembro de 2019 e a aprovação pela sua
base de sustentação na Assembleia Legislativa do RS em 11 de dezembro do mesmo,
foram apenas 75 dias - só não transcorreu ainda em menor tempo porque uma
decisão judicial impediu a tramitação em 30 dias sob regime de urgência. Neste
ínterim, houve apenas uma audiência pública, que terminou em bate-boca.
Quero
cumprimentar os 37 deputados
Foi tudo
tão à toque de caixa que a discussão nem mesmo passou pela Comissão de Saúde e
Meio Ambiente da Assembleia. Tampouco houve consulta aos próprios técnicos da
Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
PGR
contesta constitucionalidade do Código Estadual do Meio Ambiente do RS
Leite
passou sua boiada na garupa de 37 votos, ofertados por partidos como PSL, PTB,
PSDB, MDB, PP, DEM e outras siglas situadas à direita e centro-direita. Apenas
11 deputados negaram seus votos, todos alinhados à esquerda ou à
centro-esquerda. O governador demonstrou imediatamente sua gratidão aos fieis
seguidores:
"Quero
cumprimentar os 37 deputados que votaram a favor de uma reforma do nosso Código
Ambiental, para que possamos, protegendo o ambiente, colocar o Estado para
crescer", declarou. Garantiu que seria possível "manejar a natureza
com responsabilidade para que as futuras gerações possam ter as condições de se
sustentar, com respeito ao ambiente, preservação e desenvolvimento econômico
sendo gerado".
Projeto
desestruturante, destruidor e prostituinte
A
devastação do Código deixou os ambientalistas gaúchos em pé de guerra. "É
um projeto desestruturante, destruidor e prostituinte, porque prostitui a
questão ambiental numa liberalização infundada que destrói 10 anos de
trabalho", reagiu Francisco Milanez, então presidente da Associação Gaúcha
de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), a mais antiga entidade ambientalista
do país, fundada por Lutzenberger. "É uma proposta leviana e precipitada.
Deixa fazer o que (os empresários) quiserem", disse.
Milanez
tachou a proposta como "um retrocesso de 40 anos". Considerou irônico
que, justamente o Rio Grande do Sul, pioneiro na luta ambiental no Brasil,
primeiro com Henrique Roessler nos anos 1950 e depois com Lutzenberger e a
Agapan nos anos 1970, enveredasse pelo caminho inverso.
"Essa
luta gerou o primeiro órgão ambiental municipal, o primeiro estadual, o
primeiro mestrado de Ecologia numa universidade, que foi a UFRGS, a primeira
lei de agrotóxicos, uma Constituição, a do RS, muito voltada para a questão
ambiental", enumerou. "E agora o estado abandona a razão e se alia a
uma especulação estúpida", acusou.
Meio
ambiente a preço de banana
Na
votação das mudanças na Assembleia, entendidas pela oposição como um novo
código, a deputada Juliana Brizola, (PDT) reclamou que "países
desenvolvidos tratam o meio ambiente como se fosse ouro, e nós queremos tratar
a preço de banana".
"Aqui
se permite a exploração de área de preservação permanente, sem licença
anterior. Acaba-se com a proteção das nascentes. Protege-se criminoso
ambiental, inclusive possibilitando que ele ganhe financiamento, se o seu
julgamento ainda não tiver transitado em julgado", atacou o deputado
Jefferson Fernandes (PT).
Servidores
da Fepam repudiam mudança do Código Ambiental apresentada por Leite.
Na sua
visão, a alteração do código possibilitaria "a comercialização e o
transporte de árvores nativas e de espécies que estão ameaçadas de
extinção". Também acabaria com proteção das dunas, dos banhados e das
praias.
Luciana
Genro (Psol) disse que o Rio Grande do Sul estaria "na contramão de uma
onda mundial, que é de valorização e de preocupação com a causa
ambiental", acrescentando que a aprovação do projeto seria "uma
irresponsabilidade que terá um preço elevado".
Interessados
em não polemizar e apressar a aprovação, os governistas se abstiveram do
debate, com a exceção de Sérgio Peres (Republicanos), que criticou os
ambientalistas nas galerias, chamando-os de "vanguarda do atraso" e
pedindo sua remoção.
Tentativa
de travestir o retrocesso como moderno
Logo que
o projeto de Leite foi apresentado, um grupo de técnicos da Fepam qualificou a
iniciativa como "uma tentativa de travestir de 'moderno' um código que
retrocede e precariza não somente o licenciamento, mas tudo o que se refere à
garantia dos valores ambientais".
O
documento, que pode ser lido aqui, é uma leitura técnica e detalhada das
mudanças pretendidas. Além de questionar alterações substanciais, ataca a
quantidade de erros, confusões de conceitos e imprecisões do projeto.
O que
dizia o governo
À época,
o governo estadual afirmava que o projeto do novo código significaria "um
melhor equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento
socioeconômico". Apesar das críticas, o Palácio Piratini tratou a proposta
como uma "modernização" das leis que protegem o ambiente natural.
A
administração estadual chegou a afirmar que a inovação iria assegurar
"maior proteção ao meio ambiente", bem como "mais segurança
jurídica e embasamento técnico", além de "incentivar a participação
da sociedade e estar alinhado com a legislação federal".
Veja
algumas das críticas levantadas pelos técnicos
1 - Acaba
com os quatro artigos do capítulo 5, que tratam de medidas de proteção, por
exemplo, às áreas adjacentes às unidades de conservação. Também deixa de
proteger áreas reconhecidas pela Unesco como reservas da biosfera; os bens
tombados pelo Poder Público; as ilhas fluviais e lacustres; as fontes
hidrominerais; as áreas de interesse ecológico, cultural, turístico e
científico, os estuários, as lagunas, os banhados e a planície costeira; as
áreas de formação vegetal defensivas à erosão de encostas ou de ambientes de
grande circulação biológica.
2 - Apaga
todo o segundo capítulo do código de 2000, aquele referente aos estímulos
destinados à proteção ambiental. "Foram suprimidos todos os mecanismos de
apoio financeiro do Estado, até mesmo para as pesquisas e centros de pesquisas,
manutenção de ecossistemas, racionalização do aproveitamento da água e energia,
entre outras tantas", assinala o texto.
3 -
Afrouxa o licenciamento ambiental, criando grave risco ambiental. É o que
acontecerá com a criação da LAC, sigla que identifica a "Licença por
Adesão de Compromisso". Ou seja, "o empreendedor pode iniciar a
instalação e a operação baseadas apenas numa declaração". É, na prática, o
auto licenciamento.
4 - Cria
"uma terceirização disfarçada" através do artigo 56. Permite
contratar pessoas físicas ou jurídicas para cumprir prazos para emissão de
licenças, ocupando a atividade-fim da Fepam e desconsiderando o instrumento do
concurso público.
5 -
Desmonta o Código Florestal/RS. Revogam-se vários artigos que protegem as
florestas e espécimes importantes da flora gaúcha. Entre eles, os que citam a
proibição da coleta, o comércio e o transporte de plantas ornamentais oriundas
de florestas nativas. Também cai a proibição da coleta, a industrialização, o
comércio e o transporte do xaxim. Retira-se a proibição "da supressão
parcial ou total das matas ciliares e das vegetações de preservação".
6 - Abre
caminho para os incêndios florestais ao riscar o artigo 28, aquele que proíbe o
uso do fogo ou queimadas nas florestas e demais formas de vegetação natural.
Também elimina o artigo 1º que reconhece as florestas nativas e demais formas
de vegetação natural como bens de interesse comum.
7 - Retira
o veto ao corte de árvores, comercialização e venda de florestas nativas,
"numa sucessão de equívocos e desconhecimento".
8 -
Revoga o artigo 35 do Código Florestal, aquele que proibia ou limitava o corte
das espécies vegetais em via de extinção.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul