
Gustavo Petro em discurso de vitória (Foto: Reprodução)
A reviravolta da Colômbia
"Enquanto Jair Messias continuar na poltrona presidencial, o isolamento do Brasil não fará mais que crescer e se solidificar", escreve Eric Nepomuceno
Ao longo da história republicana a Colômbia jamais havia tido um presidente declaradamente de esquerda. E menos ainda um ex-guerrilheiro.
No máximo até agora o que aconteceu foi um
revezamento entre presidentes efetivamente liberais – Ernesto Samper e Juan
Manuel Santos são os exemplos mais recentes – e outros muitos, que mais que
conservadores foram francamente reacionários sem remédio.
E mais: nem em seus mais
tenebrosos pesadelos a parte conservadora, racista e misógena imaginaria uma
vice-presidente mulher e, para elevar ainda mais a já vulcânica temperatura,
negra e de origem muito pobre.
Pois foi exatamente uma dupla desse teor que saiu
vitoriosa das urnas colombianas no domingo 19 de junho: Gustavo Petro,
ex-guerrilheiro, e Francia Márquez, que antes de se tornar uma ativista social
de alto calibre trabalhou como diarista e faxineira para poder dar de comer aos
filhos.
A vantagem de Petro sobre seu adversário, o
populista de extrema-direita Rodolfo Hernández, pode até parecer apertada:
50,45% dos votos válidos contra 47,30%.
Muito mais que por escassos três pontos, porém,
essa vitória significa algo que até há pouco tempo ninguém se animaria a
prever. E mais: significa também a possibilidade concreta de abertura de novos
tempos não apenas na Colômbia, mas em toda a América Latina.
Depois de Brasil e México, a Colômbia tem a
terceira economia mais importante do continente latino-americano. E algumas das
medidas que integram o programa de governo defendido por Petro certamente serão
aplicadas em outros países governados pela esquerda, como a taxação das grandes
fortunas e a decisão de adotar políticas sociais que tenham por objetivo
superar diferenças históricas, a começar por saúde e educação.
Outro ponto importante é o fato de, pela primeira
vez, há um cordão de governos de esquerda na América do Sul, e não apenas dois
ou três governos: além da Colômbia, temos a Argentina, a Bolívia, o Chile, o
Peru (embora uma esquerda titubeante) e a Venezuela. A provável vitória de Lula
nas eleições presidenciais de outubro traçaria um panorama inédito.
Se lembrarmos que o México tem um presidente de
esquerda, André López Obrador, e que a pequena e tão maltratada Honduras elegeu
uma presidenta de esquerda, Xiomara Castro, veremos que de verdade são tempos
novos em nossas comarcas.
Um aspecto da vitória de Petro na Colômbia que nos
diz respeito: daqui até o primeiro dia de 2023, ou seja, enquanto Jair Messias
continuar na poltrona presidencial, o isolamento do Brasil não fará mais que
crescer e se solidificar.
Dentro da Colômbia, Petro encontrará, como já foi
dito, dois obstáculos importantes para governar.
Um, o empresariado sempre beneficiado tanto pelos
liberais autênticos quando pelos reacionários de todo tipo. O setor, porém,
poderá mostrar mais pragmatismo e negociar acordos aceitáveis tanto para os
donos do dinheiro como para o governo.
Já o outro obstáculo está cada vez mais envolvo por
nuvens de dúvida e apreensão: as Forças Armadas, normalmente violentas e
reacionárias. Ele terá de encontrar núcleos de profissionalismo entre os
militares e também no setor procurar um pacto de interesse comum.
Seja como for, não resta dúvida: a Colômbia ganha nova luz própria e terá papel especialmente relevante no cenário novo que se desenha não só na América do Sul, mas em todo o continente latino-americano.ista e escritor
Eric Nepomuceno é jornalista e escritor
Eric Nepomuceno
Eric Nepomuceno é jornalista e escritor