O dedo
de Lula
Por Emir Sader
bolsonaroEmoro: xenófobos úteis ao fascismo
Dois ídolos do
ódio racista que a direita promoveu no Brasil, Bolsonaro e Moro, usaram o dedo
do Lula para expressar seus valores. Bolsonaro imprimiu e difundiu camisetas em
que aparece a mão do Lula com quatro dedos, explorando o defeito físico do
maior líder popular que o Brasil já teve. Moro, conversando com seus comparsas,
se refere ao maior dirigente político que o país tem como "nine", uma
forma depreciativa de mencionar Lula.
São duas formas
de expressão em que se revelam personalidades
desprezíveis, odiosas execráveis, de preconceito e de tentativa de
desqualificação de um líder popular, de um operário, de um imigrante
nordestino. Coisas que incomodam profundamente à direita brasileira e por isso
ela se expressa, através de seus lideres, dessa forma. Expressam bem o que é a
elite branca brasileira do centro sul, que se considera dona do país e sempre tratou de tratar aos outros – os de origem
popular, os do nordeste, os trabalhadores – como bárbaros, selvagens, "mal
informados", como disse o outrora líder dessa gente, o FHC.
A sociedade
brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A escravidão,
que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho – atividade de uma
raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como economia, como
estratificação social e como ideologia.
Uma sociedade
que nunca foi majoritariamente branca teve sempre como ideologia dominante a da
elite branca. Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais importantes nas
FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes empresas, na mídia,
na direção dos clubes, nas universidades, nos governos – em todos os lugares em
que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os brancos.
A elite paulista
e do sul do país representa, melhor do que qualquer outro setor, esse ranço
racista. Nunca assimilaram a Revolução de 30, menos ainda o governo de Getúlio.
Foram derrotados sistematicamente por Getúlio e pelos candidatos que ele
apoiou. Atribuíam essa derrota aos "marmiteiros"- expressão
depreciativa que a direita tinha para os trabalhadores, uma
forma explicita de preconceito de classe.
A ideologia
separatista de 1932 – que considerava São Paulo "a locomotiva da
nação", o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões
preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento
dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil. Os trabalhadores
imigrantes, que construíram a riqueza de São Paulo, eram todos
"baianos" ou "cabeças chatas", trabalhadores que
sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da
música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo
nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em São
Paulo.
A elite paulista
foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja e a mídia, que
prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo o mesmo tipo de
campanha de 1932, com doações de jóias e outros bens para a "salvação do
Brasil"- de que os militares da ditadura eram os agentes salvadores.
Terminada a
ditadura, tiveram que conviver com Lula como líder popular e o Partido dos
Trabalhadores, para quem canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o
personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a
elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista,
líder popular.
Não bastasse sua
imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter, está sua mão:
Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como operário
metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos, produto da
super exploração dos trabalhadores. Está inscrito no corpo do Lula, nos seus gestos,
nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o racismo da elite branca brasileira.
Essa elite
racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do fracasso
do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua sucessora,
a Dilma. Teve que conviver com a ascensão social dos trabalhadores, dos
nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do povo.
O ódio a Lula é
um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e do centro sul do
país e de setores de classe média que assumem os valores dessa burguesia. O
anti-petismo é expressão disso. Os tucanos foram sua representação política e a
mídia privada, seu porta-voz.
Da
discriminação, do racismo, do pânico diante da ascensão das classes populares,
do seu desalojo da direção do Estado, que sempre tinham exercido sem
contrapontos. Os Cansei, a mídia paulista, os moradores dos Jardins, os adeptos
do FHC, do Serra, do Gilmar, dos otavinhos – derrotados, desesperados, racistas,
decadentes.
Na crise atual,
a burguesia e setores da classe media do centro sul protagonizaram algumas das
cenas mais vergonhosas da historia brasileira, nas manifestações contra a
democracia, a favor do golpe e da ditadura militar, exibindo suas dimensões
mais fascistas e discriminatórias. Colocavam pra fora o ódio contra os que
tinham regulamento o trabalho das empregadas domésticas, que já não serviriam à opressão e à exploração indiscriminada das patroas. Contra
os que tinham transformado o Nordeste, que tinham aberto as universidades para
os jovens pobres, contra os que tinham permitido aos pobres de viajar para ver
seus parentes ou para fazer turismo. Contra os que
fizeram do Brasil um país menos injusto, menos desigual, contra os que tiraram
o país do Mapa da Fome, a que as elites brancas tinham condenado o povo para
sempre.
E Lula sempre
foi e continua sendo a expressão mais alta desse movimento de democratização
social do Brasil. Gente como Bolsonaro e Moro ofendem a Lula porque sabem que assim ofendem
ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos. Tentam
desconhecer que a indústria brasileira foi construída com as mãos de operários
como o Lula, que os carros em que eles passeiam foram construídos por
trabalhadores como o Lula. Que o dedo que Lula perdeu são os muitos dedos que
os acidentes diários de trabalho provocam nos trabalhadores, para sobreviver
com baixos salários e produzir as riquezas do Brasil.
O racismo é um
crime imprescritível. Bolsonaro e Moro são os herdeiros do político do sul que
disse que "iam acabar com essa raça por décadas". Deveriam ser processados por racismo, ao exibir essas camisetas com Lula sem um
dedo e ao falar de Lula como "nine". São seres desprezíveis, odiosos,
execráveis, do pior que o Brasil tem, pelo ódio de classe ao povo, aos trabalhadores,
aos nordestinos, pelo ódio ao Brasil.
Nós nos
orgulhamos de Lula como eles não podem se orgulhar de seus ídolos, promotores
do estupro de mulheres e agentes fascistas contra os partidos e líderes de
esquerda, contra a própria democracia, que é e será fatal para eles.
Emir Sader Colunista do Saite 247, é um dos principais
sociólogos e cientistas políticos brasileiros.
ôXENTE, CUIDADO, pois
as palavras na cor vermelha constam
originariamente no texto, mas os destaques e ênfases são deste BLOGUEIRO.